Em qualquer democracia, a legitimidade das Potências constituídas depende de três elementos que são intrínsecos a ela: eleições que permitem a representatividade segundo a maioria, o exercício do poder em harmonia com a moralidade e subserviência dos agentes públicos à Constituição Federal.
No Brasil, estamos testemunhando diariamente tentativas de importantes membros do Judiciário e do Ministério Público de interpretar a Constituição de acordo com as convicções pessoais, mesmo que contrárias à natureza literal da norma.
Um novo capítulo desta história acaba de ser publicado: a Procuradora Raquel Dodge pretende dar aos juízes federais o poder de assumir as listas eleitorais de primeira instância, com a intenção de contornar a decisão do Supremo Tribunal Federal de atribuir à jurisdição da Justiça Eleitoral julgar crimes relacionados com infracções penais eleitorais.
Mais uma vez, busca atalhos para impor o desejo de uma instituição, à revelia da Constituição da República. O parágrafo 1 do artigo 121 da Constituição é expresso em afirmar que as zonas eleitorais serão da responsabilidade dos juízes da lei. De fato, esse tem sido o caso no Brasil há mais de 50 anos.
A questão jurídica colocada é que, sem alterar a Constituição Federal, não será possível atribuir aos juízes federais as funções eleitorais, como a Procuradoria Geral da República. Isso legitimaria uma falha interpretativa na Constituição. E não será por listras que poderemos fazer do Brasil um país sem corrupção. A história, afinal, é pródiga, revelando que as ações autoritárias de hoje resultarão em mais corrupção no futuro.
É o caso da famosa operação das mãos limpas, que varreu o mundo político italiano e serviu de referência para a "lava do jato". Em uma entrevista recente, o jornalista italiano Gianni Barbacetto lembrou que as mãos limpas resultaram em novos esquemas de corrupção. Entre as ações que levaram ao fracasso da operação, Barbacetto lembrou que "em algumas procuradorias, ocorreu uma corrida em que jovens juízes, que queriam fazer carreira, abriram investigações e cometeram erros. Eles não chegaram a lugar nenhum".
Outro ponto destacado pelo jornalista, um estudioso da operação italiana, foi a decisão de juízes e promotores de deixar seus assentos para assumir posições políticas.
É evidente que todos os esforços envidados até o momento no combate à corrupção só serão preservados e deixarão um legado se os membros do Ministério Público e o Judiciário continuarem realizando suas missões institucionais. Para isso, a única cartilha a seguir é a Constituição.
Infelizmente, temos visto iniciativas na direção oposta. Se não colocarmos um freio nos transeuntes, repetiremos a falha italiana. E aqueles que gritam para a imprensa que a operação do "lava-jato" está em risco construirão uma urna funerária na luta contra a corrupção.