Opinião: Considerações sobre o processo legislativo da Lei 13.654/18

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A Lei 13.654, publicada em 23 de abril de 2018, provocou intenso debate na comunidade jurídica e nos tribunais sobre sua constitucionalidade formal. A norma alterou o Código Penal e, entre outras alterações, revogou o parágrafo I do parágrafo 2º do artigo 157, que previa a causa do aumento da sentença por roubo por meio de "uso de arma".[1].

A redação anterior não especificava o tipo de arma que deu origem à aplicação do referido aumento. Por esse motivo, o uso de uma arma branca pelo agente, por exemplo, foi suficiente para configurar a causa do aumento. Já o texto atual do aparelho mudou o agravamento do uso da arma de fogo ao parágrafo 2-A do artigo 157 do Código Penal, enquanto exclui do sistema legal o parágrafo referente geralmente a armas. Consequentemente, trouxe em sua novatio legis em mellius, já que as únicas armas que agora pagam o agravamento da pena são as armas de fogo.

Em uma leitura não tão completa, muitos argumentaram que a exclusão do dispositivo que fornecia a causa do aumento da sentença pelo uso de Arma branca teria sido um erro ocorrido durante o processo legislativo do assunto no Senado Federal. A premissa neste caso é que não faria sentido que uma lei destinada a punir mais rigorosamente o roubo cometido com o uso de armas de fogo e explosivos fosse ao mesmo tempo mais branda em crimes cometidos com outros tipos de armas (facas, machetes, tesoura, etc.).

A incompreensão sobre o processo de proposições nas Casas do Congresso levou mesmo alguns a afirmar que teria havido uma usurpação da vontade do legislador, uma vez que a revogação do majorante, alegou-se, não teria sido formalmente aprovada por a peneiração dos parlamentares, isto é, devidamente votada e aprovada pelos senadores.

De acordo com esse ponto de vista, a retirada da causa de aumento prevista no parágrafo 5º do artigo 157 do Código Penal teria sido o resultado de uma atividade autônoma e inovadora dos oficiais da Coordenação de Redação Legislativa (Corele), um órgão do Estrutura administrativa do Senado que é responsável pela revisão final dos textos aprovados. Portanto, para essas pessoas, teria havido uma mudança no conteúdo substantivo do projeto de lei sem a aprovação dos representantes eleitos, o que implicaria uma inconstitucionalidade formal.

Este artigo pretende contribuir para uma melhor compreensão do tema, demonstrando que o processo de edição da Lei 13654/2018 pela Assembléia Legislativa seguiu rigorosamente todos os cânones normativos da Constituição Federal, e não houve inconstitucionalidade.

Aliás, essa também foi a constatação do Tribunal de Justiça de São Paulo. No julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade 0017882-48.2018.8.26.0000, o órgão especial do TJ-SP revisou o posicionamento prévio da 4ª Câmara de Direito Penal e atestou que a Lei 13.654 / 2018 é constitucional. O excerto abaixo, extraído do voto do vencedor Alex Zilenovski, é bastante elucidativo sobre o entendimento legal assinado: "(…) Dependência devido ao inocente processo legislativo. Mera irregularidade na publicação errônea do votação final da CCJ do Senado que aprovou a lei e a emenda do aditivo. Correção feita pelo CORELE acrescentando o desenho original e a emenda aditiva 1, incluindo a revogação aprovada pela CCJ – corrigindo o erro de publicação (…) " .

O mesmo entendimento quanto à constitucionalidade da norma foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. O tribunal aplicou a nova lei regularmente, afastando o aumento da penalidade pelo uso de uma arma em delitos de assalto (por exemplo, AREsp 124.9427 / SP, 29/06/2018).

Além de informar os tribunais, o Senado Federal esclareceu a Procuradoria Geral da República, que encerrou o processo administrativo de apoio a uma possível ação direta de inconstitucionalidade, e a PGR afirmou que: "Não há conjunto, portanto, o alegado vice formal de inconstitucionalidade devido a afronta ao devido processo legislativo ".

Apesar dos múltiplos pronunciamentos já feitos pela plena constitucionalidade da Lei 13.654 / 2018, parece relevante olhar para o processo legislativo de origem dessa norma, a fim de afastar quaisquer dúvidas remanescentes sobre a inexistência de defeitos formais na lei. . Além disso, é necessário registrar o rigor técnico dos órgãos que atuam em apoio à atividade legislativa.

1. Da iniciativa da proposta
Em 24/03/2015, o Senador Otto Alencar apresentou ao Comitê do Senado uma proposta legislativa que visa alterar o Código Penal para "prever aumento de pena pelo crime de roubo cometido com uso de arma de fogo ou artefato explosivo similar causa perigo comum ".

No texto inicial do projeto de lei, arquivado no Senado Federal sob o número 149/2015, a disposição explícita de revogação da subsecção I do parágrafo 2 do artigo 157 do Código Penal (Art. 157, § 2. A pena aumenta de um terço para metade: I – se a violência ou ameaça for exercida com o uso de arma), como se pode ver no acesso direto ao documento, disponível em: o site do Senado Federal[2].

2. Da fase instrucional e deliberativa do PLS 149/2015

2.1.
Após a publicação regular do assunto, o PLS 149/2015 seguiu a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) para exame e deliberação. A proposta estava em consonância com aquelas submetidas, por força processual, ao procedimento final, ou seja, que dispensa a manifestação do Plenário para que o assunto possa ser considerado aprovado, conforme previsto na Constituição de 1988, artigo 58, parágrafo 2, e artigo 91, inciso I, do Regimento Interno do Senado.

O prazo processual de emenda por senadores que não eram membros da comissão passou sem a apresentação de propostas para modificar o texto inicial, sendo distribuído ao repórter nomeado na CCJ, senador Antonio Anastasia. Em 9/7/2015, ele apresentou seu relatório aprovação do Senado Bill 149, 2015 (texto disponível no site do Senado).

Na 37ª Reunião Ordinária da CCJ, a Presidência entregou o relatório aos senadores que o solicitaram e, no dia 8 de novembro de 2017, o assunto voltou à pauta colegiada, para ser considerado pelos senadores. A inclusão do PLS 149/2015 na agenda da 49ª Reunião Ordinária da CCJ foi dada como prioridade, no contexto de um esforço conjunto para deliberar sobre questões que poderiam contribuir para resolver os problemas de segurança pública.

2.2.
No decorrer da reunião, a senadora Simone Tebet entendeu pertinente sugerir a adição de novos dispositivos ao texto do projeto inicial. Ele então ofereceu o Aditivo 1-CCJ[3], que foi destinado a lidar com "substâncias explosivas" em ofensas de roubo e roubo.

Na mesma 49ª Reunião Ordinária, o aditivo foi examinado pelo relator, que votou a favor da aprovação da emenda, concordando em incluir as novas disposições sugeridas.

Deve-se notar que a emenda 1 em nenhum momento tratou da não revogação do inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal. A modificação foi apenas algumas sugestões adicionais, não propondo qualquer redução da proposta original.

Para relembrar em detalhe os debates que antecederam a votação, é bastante oportuno ler as notas taquigráficas sobre o processo deliberativo do tema, que também estão disponíveis na íntegra no site do Senado.

Após a conclusão da discussão e a votação ter sido realizada, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou o projeto e a emenda. aditivo por 14 votos sim e 3 votos não, de acordo com votos nominais.

2.3.
Tanto a proposta principal (texto original do PLS 149/2015) quanto a proposição acessória (Emenda Aditiva 1-CCJ) foram aprovadas.

A fim de cumprir o conteúdo das deliberações dos senadores, o Comitê de Redação Legislativa (Corele) passou a integrar os dois textos aprovados.[4].

O referido corpo técnico acrescentou apenas o projeto original e a Emenda Aditiva 1, incluindo a revogação aprovada pela CCJ.

A consolidação, portanto, não envolveu qualquer mudança de mérito em relação ao que havia sido votado. Cobria apenas uma operação mecânica de aglutinação dos textos aprovados.

Não houve supressão do artigo do projeto de lei que revogava a causa do aumento da subseção I, parágrafo 2º do Código Penal (artigo 3º), pois consistia desde o primeiro momento do projeto de lei aprovado pela CCJ do Senado.

Portanto, não se deve dizer que a revogação do inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal ocorreu sem a aprovação dos parlamentares.

2.4.
Após a consolidação dos textos, a matéria seguiu a Secretaria do Senado para aguardar o possível recurso contra o processo final, o que levaria o texto à deliberação do Plenário da Câmara. Consequentemente, o devido processo foi estritamente seguido, notadamente as diretivas contidas no Artigo 91 do Regimento Interno do Senado.

Como nenhum recurso foi apresentado, o projeto foi enviado à Câmara dos Deputados, onde recebeu o número 9.160 / 2017, e foi apresentado ao Plenário em 23 de novembro de 2017[5].

2.5.
Em 1º de dezembro de 2017, foi encaminhado a várias comissões, expressando expressamente que o assunto estaria sujeito à apreciação do Plenário da Câmara. Além disso, foi concedido um procedimento de emergência.

Em 28 de fevereiro de 2018, o assunto foi submetido à discussão no Plenário. As opiniões dos relatores foram entregues: a Comissão de Finanças e Tributação concluiu com base na compatibilidade financeira e orçamentária e adequação, e, no mérito, a aprovação do projeto, na forma de substituto apresentado, e rejeição dos outros; a Comissão Constitucional e de Justiça e Cidadania concluiu pela constitucionalidade, legalidade e técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do projeto, como substituto apresentado pela Comissão de Finanças e Tributação, e pela rejeição dos demais; a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado concluiu rejeitando todas as emendas.

Posteriormente, foram apresentadas as emendas do plenário 1 a 3. No entanto, todos foram rejeitados sem modificação do projeto.

A Plenária então, em sessão deliberativa extraordinária, aprovou o substitutivo apresentado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

O conteúdo da deliberação da Câmara dos Deputados não suprimiu nem alterou a redação de nenhum artigo da proposta original., apenas adicionado à previsão de modificação da Lei 7.102 / 83, inserindo neste artigo o artigo 2-A (mecanismo de desativação de notas de moeda disponíveis em caixas eletrônicos)[6].

A matéria, por fim, retornou ao Senado Federal e recebeu o registro como "Suplente da Câmara dos Deputados nº 1, de 2018, ao Projeto de Lei do Senado nº 149, de 2015", sendo necessário enfatizar, para fins de pesquisa, que o procedimento foi registrado no site do Senado separadamente da proposta original[7].

2.6.
Em 6 de março de 2018, a proposta foi apresentada no Plenário do Senado e depois devolvida à Comissão de Constituição e Justiça.

Enquanto aguardava a nomeação do relator na CCJ, houve um pedido urgente, com inclusão na agenda da sessão plenária deliberativa, em que aprovadoem 27 de março de 2018, com o consentimento da redação dada pela Câmara dos Deputados, sendo enviado para a sanção presidencial.

3. Considerações finais
A atividade do Estado destinada a produzir normas jurídicas escritas está incorporada no processo legislativo, que pode ser entendido como o "conjunto de atos (iniciativa, emenda, voto, sanção) feitos por órgãos legislativos e corpos cooperantes com o propósito de promulgar leis"[8].

Por sua vez, Jeremy Waldron, em seu conhecido trabalho A dignidade da legislação, chama a atenção para a importância do respeito à lei e à deliberação majoritária como forma de garantir o direito à participação igualitária dos membros da sociedade nos assuntos coletivos, sendo de destacar a lição clássica de Geraldo Ataliba sobre a atividade legislativa, segundo a qual:

De fato, esta é a mais nobre, mais alta e mais expressiva de todas as funções públicas. Quem quer que consiga fixar os preceitos a serem observados, não apenas pelos cidadãos, mas também pelos órgãos do Estado, evidentemente encerra os poderes mais elevados e expressivos. (…) a mais transcendental de todas as funções do Estado é a legislação. Todo o resto é subordinado a ele: todas as outras funções são resolvidas em obedecer à lei, aplicando a lei, cumprindo a lei. (…)[9].

Após essa longa apresentação, fica evidente que não existe base técnico-legal para suportar a eventual inconstitucionalidade da Lei 13.654 / 18, uma vez que não havia defeitos em seu processo legislativo. Isto confirma a presunção de constitucionalidade das leis aprovadas pelo Poder Legislativo, que só pode ser excepcionalmente removida, se comprovar sérios defeitos formais que subvertem a legitimidade democrática inerente ao processo legislativo constitucional.

é advogado do Senado, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), pós-graduado em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) e professor voluntário da mesma universidade.

Tairone Messias Rosa é um técnico e advogado do Senado. Graduado em Direito e pós-graduado em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB).

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